quinta-feira, 8 de julho de 2010

Resenha: Um Cover Para Chamar de Seu

POSTADO POR FÁBIO NAVARRO - 08/07/2010

Discos de covers são trapaceiros auditivos. Em casos como por exemplo a revisão feita pelo Flaming Lips do Dark Side Of The Moon do Pink Floyd, o que houve não só foi uma homenagem ao trabalho da banda inglesa, mas sim uma remodelagem tamanha que em muitas vezes os flamejantes lábios transcenderam o disco original, trazendo para cada faixa uma visão fantástica e sensacional e mostrando que não apenas realizaram um trabalho de covers, mas sim uma evolução em relação à fantástica bolacha de 1973. Fazer esse tipo de cover é genialidade aflorada em cada centímetro de epiderme. Mas não existem tantos Wayne Coyne espalhados por aí.

E talvez a dupla Mates of State saiba disso melhor do que ninguém pois as faixas que formam o disco Crushes (The Cover Mixtape) são, na verdade, revisões que se não fogem do clima original das canções e mostram uma releitura bem feita de todos os tons que moldam o disco. Aliás, o lançamento de Crushes marca uma retomada após o hiato de dois anos do casal Kori Gardner e Jason Hammel (Re-Arrange Us foi o último lançamento da dupla).

E tudo começa com "Laura", a canção da banda Girls que tinha aquele clima shoegaziano e acabou em um electro-pop de primeira linha no disco do Mates. Como se fosse possível inverter todas as lições do Teenage Fanclub em forma de uma lírica canção de amor, não há aquele soturnismo característico do Girls, mas é uma boa releitura. Por falar em climas dissonantes, a segunda faixa, "Son Et Lumiere", que originalmente foi gravada pelo The Mars Volta no sônico De-loused In The Comatorium, toma o mesmo clima fantasmagórico, mas de uma maneira completamente açucarada. Uma versão mais climática do que o cataclisma original feito em homenagem à um artista amigo de Omar Rodriguez Lopez. Todo o furor foi tomado por uma linha de piano que descaracterizou a música, mas não a deixou inaudível.


Exatamente o contrário do que acontece com a versão para "Sleep The Clock Around" do Belle & Sebastian. A canção, que já era singelamente bela, permanece com sua doçura intacta. Outra velocidade alterada aparece em "Technicolor Girls" (Death Cab For Cutie) e uma das características bacanas nesse disco de covers do Mates Of State tem muito a ver com a escolha das músicas. Nenhuma delas é feita de maneira fácil ou para agradar o paladar dos fãs das bandas originais. E mesmo sendo canções belas, estão um pouco escondidas dentro da discografia de todos. Esse som do Death Cab, por exemplo, faz parte do EP Forbidden Love e não foi uma das mais tocadas nas rádios. Mas a versão que vai embalar romances de outono que o Mates fez, é de beleza equivalente à de Ben Gibbard.

Mas a desconstrução das canções aparece novamente em "Long Way Home" de Tom Waits. Originalmente esse lamento em forma de country-music orquestrada em jazz que Waits deu à canção é completamente desfigurado por formas de um post-rock que simplificaram demais a canção original. Mesmo sendo uma das mais "pesadas" do disco com uma bateria desconstruída e tons não menos tristonhos, a canção parece ser um pouco mais do mesmo.

E a desconstrução passiva continua em "Love Letter" de Nick Cave. O lamento grave e orquestrado das sementes do mal foi substituído pelo belo dueto de vozes de Kori e Jason. Existe um clima eletro metálico nessa balada na versão da dupla. A beleza ímpar da canção continua, afinal de contas dificilmente uma canção de Cave perde a assinatura. O detalhe cinematográfico que a canção possui foi até exacerbado, principalmente na parte final, o que acabou dando um clima mais de sessão da tarde do que épico clássico para a carta de amor soturna.


A faixa "Second Hand News", gravada originalmente pelo Fleetwood Mac no clássico disco Rumours é talvez a faixa que mais se encaixa com perfeição no quesito cover bem feita. A canção de 1975 tem um clima hipônico que foi substituido pelos sintetizadores e timbres mais atuais. A levada de canção clássica pop continua, mas dessa vez vestida devidamente com a urgência dos tempos modernos. Reside nessa canção um acerto muito grande em rever o velho e trasmutar no novo, primordial para que uma homenagem seja bem feita. Mas esse não é o melhor achado do Mates of State...

"17 Pink Sugar Elephants", da cantora Vashti Bunyan é uma achado sensacional. Bunyan é uma das artistas inglesas mais obscuras dos ano 60. Percursora do que se chamou free folk, junto com cantoras como Karen Dalton e Linda Perhacs, esse jeito mais solto em relação as letras e ao ritmo materno da canção fez com uma geração toda de músicos atuais idolatrasse a cantora inglesa. Devendra Banhart e Pavement são alguns dos nomes que ainda hoje tem gravações junto com Vashti. O Mates embarca bem na lisergia infantil do tema original, mas deixando uma cara de cabaret na música. O final aos modos de uma palavra cantada deixa a canção liberada para menores de dezoito anos. A escolha é uma das mais acertadas e a execução deixa um ar sem rarefações mas composto de magia infantil.

"Roller Coaster Ride" é talvez a mais bela música do disco, e todas as nuances calmas e singelas da original gravada pela banda Dear Nora em 2001 no disco We'll Have a Time estão preservadas. Fato explicado talvez porque o Mates Of State já gravou em 2003 um single com a banda, mas o que se vê é uma canção que tem esperas e chegadas. A antecipação da queda é precedida por minutos de calmaria, como se os trilhos estivessem sendo percorridos. Mas a descida é feita de maneira bela e nada tortuosa, mostrando notas que te levam por caminhos clássicos. De beleza ímpar.


O final do disco marca mais uma escolha acertada, "True Love Will Find You In The End" de Daniel Johnston é talvez uma das músicas que mais partem suas camadas coronarianas em pedaços, tamanha a beleza descomunal. O Mates quebrou a estética sombria que Johnston imprimiu na canção, mesmo tendo a letra uma marca d'água irreparável de alma. Ela acabou ficando cheia de esperança rimada em coro de vozes duplicadas que parecem mostrar que a busca por alguma coisa pode ser menos soturna e mais azulada. Não se compara a genialidade da original, mas é uma visão por um outro ângulo. Revisitando o gênio, a dupla faz uma justa homenagem.

Crushes não é o melhor discos de cover que já existiu. Dificilmente haverá alguém que vá bater esse ano os Flaming Lips, mas o Mates of State fez um belo disco. A escolha das canções foram melhores que as versões, mas nada que vá configurar um pecado mortal contra seus autores. Uma banda tocando canções que fazem parte da história deles próprios, despejando o sentimento ao redor de cada nota e fazendo com que o conhecimento seja passado para as gerações que virão.

Mates of State - Crushes (The Covers Mixtape) (2010)


Nota: 8,0

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