sexta-feira, 4 de junho de 2010

Resenha: A Arte de Envelhecer Dignamente

POSTADO POR FÁBIO NAVARRO - 04/06/2010

Sempre achei os profissionais que lidam com a geriatria possuidores de uma dose extra de paciência, mas não por ser uma coisa maçante. Existe toda uma relação mestre-aprendiz que se transmuta repetidamente e isso só é possível quando se entende o funcionamento de giros do cíngulo singulares e nominais. Musicalmente falando essa relação nem sempre é possível. Não existe necessariamente um mestre ou aprendiz, mas sim faces diferentes que podem trazer mais descolamentos sentimentais ou menos. A arte de ouvir música não passa por relações fisiológicamente lógicas, porque sentir algo de verdade é em primeira instância uma estrada não linear. Assim, existirão pessoas que não gostarão muito do mais novo disco da seminal banda nascida em 1989, o
Teenage Fanclub.

Shadows
, quando em primeira audição, faz com que você reencarne na pele de mestre da arte musical. "Sometimes I Don't Have To Believe In Anything", que abre o disco, traz consigo uma pequena prepotência em seu título, diluída depois de ater-se aos versos que mostram uma crença inabalável, não a vontade de mostrar-se superior. Mas os acordes do mais puro lo-fi levam diretamente ao primeiro disco da banda (A Catholic Education) e aí os futuristas de plantão poderão discordar da relevância de uma banda que soa exatamente igual ao seu início. Mas guarde essa questão bem próximo de seu peito. Já volto à ela...


"Baby Lee", o suposto hit, transporta sua mente para lugares que você nunca visitou. Como em uma dessas tardes cheias de rosas de ventos em um outono cinza, os acordes de Norman Blake são de uma suavidade tamanha que faz com que a limpeza na produção dessa faixa seja apenas mais uma nuance que vai fazer você sorrir. Simples, direta e emocional. O violão de "The Fall" já te prepara para uma canção harmoniosa do começo ao fim. Não existe em nenhum momento a necessidade de estribilhos claustrofóbicos ou tempos distorcidos dentro de uma nuvem pesada. Detratores acharão mais do mesmo, mas o solo nas guitarras em forma de cadência crescente e singela, são manobras irremediavelmente cheias de vida. Enquanto muitas bandas sentem-se agraciadas por possuirem um compositor talentoso, o Teenage Fanclub possui pelo menos três.

Beach Boys e Byrds sempre foram bandas clássicas que eram influências diretas no som dos rapazes de Glasgow, e isso fica claro em "Into The City". Mas apesar do nome do disco, não existe uma sombra dessas bandas maternas no som do Teenage Funclub. Hipnóticas guitarras com um padrão e cadência embalados por marés que cercam seus tornozelos dentro da areia. Música para namorar? Para sorrir ou amar? Nenhuma das anteriores; a resposta se encaixa mais no quesito viver.


Mas a relação fisiológica entre mestre e aprendiz volta a assombrar os ouvintes, meu caro leitor contemporâneo. E isso chega com um força descomunal quando "Dark Clouds" invadir seus ouvidos. Shadows é um disco sem pressa, seja na execução ou audição pois é obrigatório embarcar na viagem um forma de caminhada pausada no diálogo travado entre a banda e você. Os violinos dessa faixa são detalhes que estão espalhados dentro do disco, apenas como pequena distração. Uma das melhores.

"The Past"
desperta algo diferente. Não em relação à sonoridade, mas nesse momento é necessário não mais ler as notas e sim, começar a olhar as letras. Quando vemos o tracklist do disco, algo dentro do nosso inconsciente desperta para o fato de que todos os nomes são conectados. Inicia-se aí um processo de juntar os títulos e estes se encaixam como mágica (dois exemplos simples são: Sometimes I don't need to believe in nothing, Baby Lee e The Fall Into the City). Então mesmo transparecendo uma mesmice calamitosamente calma, as harmonias e melodias estão encaixadas como cadeia genética. "The Past" marca uma virada importante no disco, pois a banda sai do mundo detalhista dos sonhos de verão e se movimenta. O aumento de "peso" das canções nesse seguimento mostra isso. Evoluir sem mudar sua essência é talvez a melhor característica do TF.


"Shock And Awe" (olha a combinação com "The Past") emociona; literalmente. Existe uma cena no filme Quase Famosos que a personagem de Fairzuka Balk conversa com Russel Hammond e diz que gostar de rock é adorar uma canção que muitas vezes faz doer a alma. Pois essa faixa é assim, de uma maestria simples que retira emoção de qualquer pedaço de papel colocado em uma mesa antes mesmo dele perceber que não é apenas um objeto. A partir daí então não existe mais caminho de volta, o disco já te enlaçou em um abraço apertado de menina musa. "When I Still Have Thee" sossega o aperto e libera seus braços, mas ainda te leva em uma viagem de levitação. Como se caminhar por entre nuvens fosse uma coisa comum dentro das possibilidades anatômicas, mas vivemos em um mundo real onde essa magia ainda pertence à iniciados nos segredos ocultos. Mas a beleza do Teenage Fanclub é essa; transformar algo etéreo no impalpável em sentimentos fisicamente tocáveis.

"Live With The Sessons" é mais uma daquelas músicas que os céticos de plantão e acostumados com esse mundo rápido vão querer fazer com que você, meu homogêneo leitor, largue a audição de
Shadows para um dia mais cinza. Mas por mais que o som lembre muito bandas como o Wilco ou Band Of Horses, nunca se esqueça que muito provavelmente foi o contrário. As duas gigantes alternativas não teriam nascido se antes não existisse o TF.


Nessa mesma linha de baladas rurais vem "Sweet Days Waiting", com ecos californianos de lugares como a mente de um
Brian Wilson mais comportado. Mas nesse instante o disco pode querer te fazer correr a faixa, mas não esqueça que Shadows é como um dia de folga e deve ser sentido como tal; sem pressa. "Back Of My Mind" e "Today Never Ends" são antagonismos próximos, uma mais roqueira e outra mais acústica. Obviamente dentro do que o gênero que a banda escolheu para exteriorizar suas claves de sol. Ecos no teclado sessentista da canção final são apenas forma de valorizar seus ouvidos médios. Afinal de contas escrever que "ela estava no topo da montanha, esperando por uma melodia"(em "Back Of My Mind") é no mínimo deleite auditivo.

Shadows é um documento de identidade em sépia. Envelhecido por quem não se distancia de seu filão e não quer releituras de um gênero que ajudou a construir. É um não futuro tecnológico, abrindo aí a questão da importância de uma banda antiga fazendo um disco sem nenhuma novidade. Mas manter-se fiel ao que se acredita com a capacidade e força para ensinar às gerações futuras como moldar componentes de sonhos em forma de notas não é uma maneira genial de envelhecer? A palavra Ramones lembra algo?

Como documento do histórico do
Teenage Fanclub, o disco é oito e meio, mas como produção de rock na atual conjuntura de fatos é dez. Faça as contas.

Teenage Fanclub - Shadows (2010)


Nota: 9,25

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