terça-feira, 18 de maio de 2010

Resenha: A Sombra do Vulcão

POSTADO POR FÁBIO NAVARRO - 18/05/2010

Desde os meados do século XIX e o início do XX (século 20, não a banda), quando as mulheres marchavam na França lideradas por Louise Veiss retirando à forceps o direito de votar, existe o movimento feminista. Quando as primeiras linhas de manifestos escritos por Voltairine de Cleyre e Margaret Sanger atingiram o cérebro de outras mulheres, essa luta começou e está longe de acabar. Os direitos iguais sempre foram a base primordial dentro do mundo Yin maternal. Na música isso acabou chegando um pouco depois, mas a força das cantoras fossem elas do rádio ou não, era de uma octaedrocubana reação em cadeia de fusão. Isso não parou e atualmente a gama de opções com as mais diferentes cabeças e cadências se tornou presente como o ar oxidativo de células brancas. Temos Amy Winehouse, Regina Spektor, Fiona Apple, Alison Mosshart e outras mil. E agora esse exército de valquírias ressonantes ganha mais uma amazona.

Karen Elson tinha tudo para ser uma mulher de Atenas. Casada com o homem de cara pálida Jack White, poderia esperar seu herói de raça como uma melena nobre e perfumada de leite. Beleza não lhe falta, afinal de contas Karen é uma ex-modelo e tem todos os traços de arcanjo belo possíveis. Mas para que permanecer à sombra do vulcão se ela poderia sair e lutar por algo maior do que simples cliques? Nasce assim a primeira investida fonográfica solo da senhora de cera do rock, o disco The Ghost Who Walks.


Ela já havia feito backing vocals para a banda de punk cabaret The Citizens Band e antes um dueto com Cat Power. Com essas credenciais o disco solo seria uma questão de tempo. E se todo mundo esperava uma investida em terrenos mais pautados pelas guitarras atordoantes que fazem parte do estranho mundo de Jack, Karen despeja uma surpresa bélica e soturna. O disco não possui em nenhum momento uma aproximação com o mundo dos acordes distorcidos, mesmo quando a presença do blues mais denso é notada. E a surpresa segue pelo simples fato de que o sempre presente mundo poptônico chiclete das cantoras também não é a tônica. Tudo nesse disco está mais para uma doce alquimia, serrilhada pelos vocais de Karen.

O esmero na produção do disco (feita por
Jack White) é percebido desde os primeiros acordes de "The Ghost Who Walks", a faixa-título que abre o disco. Uma valsa quase que shoegaziana permeável ao solo hipnótico de teclado. Não há a necessidade de malabarismos vocais, tudo é bem simples e limpo, o que nesse caso é muito mais qualidade que mesmice.


Uma pequena lembrança do órgão das canções do Dead Weather se faz presente em "The Truth Is The Dirt". Explicável pelo simples fato de que Karen era figura presente nas gravações do segundo disco da banda número 3 de Jack White, então o blues suingado pelas viradas de uma bateria seca desce como uma dose de bourbon envelhecido dentro de carvalhos flamejantes. Para ser ouvida em um cabaret escuro e denso...

Uma característica desse disco é a mistura de vários estilos, sem obviamente deixar a metralhadora girando em falso. E os ritmos havaianos alojados em uma levada de tango suave aparecem em "Pretty Babies". Quase que impossível conter a vontade de batucar com as mãos os tempos dessa canção que poderia ter sido gravada por Buddy Holly. "Lunasa" acrescenta mais um elemento químico à essa tabela de misturas de Elson. Um country choroso e hipnótico, que ao fechar dos olhos muito provavelmente poderá se ver ela cantando sentada em um banco de madeira com seu violão. A calma se mostra evidente, o sorriso descansado e solto acompanha.


O disco primogênito de Karen é um convite aos ouvidos estressados e caóticos, uma pausa dentro de uma vida decapitada de emoção e corroída pela poluição. Assim que você ouvir "100 Years From Now", vai perceber que a vida é feita para ser apreciada a cada segundo. Como se cada respiração fosse preenchida com magia cabaretiana e distorcida por uma voz suave. E a calma viaja pelo tempo e acaba parando em uma távola medieval no oeste americano com "Stolen Roses". E essa canção quando adentrar seus ouvidos médios, fará você perceber que o instrumento mais importante nesse disco (além da voz de Karen) é a guitarra, que muitas vezes vem de slide outras vezes é seca, mas sempre transporta a alma da cantora pelos climas das músicas.

E mais uma vez o salão roda por entre os chapéus e laços com "Garden", que traz consigo um irresistível violino que faz um contraponto sublime com a duplicação dos vocais. O Kings Of Leon pode fazer uma cover dessa canção sossegadamente e seria um tiro certeiro na carreira pop que a banda está tomando. "Cruel Summer" e "The Byrds They Circle" são duas canções irmãs. O folk-hardcore parece até querer fazer o disco entrar em uma fase de inércia, mas a dramaticidade transvestida em suavidade mostra ainda mais um pouco de fôlego. Recoste na sua cadeira preferida e relaxe, a vida não pede mais pressa do que já tem. Vital aqui é sentir casa respiração que te faz vivo.


"A Thief In My Door", apesar de ter sua linha de cordas introdutórias retirada de "Everybody Hurts" do R.E.M., mostra uma letra lindamente concebida em forma de manifesto de vida. Densa e feita para que se suas emoções estiverem muito à flor da pele, sejam exocizadas de sua alma em forma de lágrimas. A perfeição da voz de Karen encaixada nessa canção de romances épicos é surrealmente sublime e aqui você entende que esse disco foi feito para ser apreciado faixa por faixa, emoção por emoção. A minha música preferida do disco é também a que mais fará seus olhos serem levados pela luz. A dupla final com "The Last Laugh" e "Mouths To Feed" fecha o disco com ecos ressoantes do Fleetwood Mac, uma banda que nitidamente sempre está presente nesse disco. Mais uma camada dentro desse caldeirão de feitiços brancos de Karen Elson.

The Ghost Who Walks é uma estréia mais do que bem feita. Um disco que disseca a vida em camadas diferentes e que devem ser apreciadas com calma. Hoje em dia estamos todos correndo dentro de 140 caracteres à uma velocidade que nem Clark pode alcançar. Esse disco é capaz de desacelerar seu tronco e mostrar que a cada respiração existe uma nova nota, assim como uma possibilidade ilimitada de beleza e felicidade. Karen vai em direção de outra rota no mundo das cantoras, e parafraseando Chico: "Mirem-se no exemplo daquela mulher que não é de Atenas"

Karen Elson - The Ghost That Walks (2010)


Nota: 9,0

3 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto... muito bom

Tatiana disse...

Começou realmente do seu jeitinho...elevando mentes, alterando corações e impulsonando atitudes. Parabéns. SUCESSO!

Vítor Henrique disse...

Muito bom o texto.

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