sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Entrevista: Owensie

Sair de uma banda de punk-rock/post-rock que até fez turnês pelo Brasil (Goiânia, Floripa, Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e João Pessoa) e trocar a fúria e a agressividade pela beleza de arranjos finos e tocantes à la folk parece algo difícil. O irlandês Michael Owens, oriundo de Dublin, nos procurou com um português meio atrapalhado e errante, mas nada disso passou a importar após sua música tocar os tímpanos do rendido editor que vos fala. Sua voz entoa letras de temas variados e nos toca fundo com as 5 músicas de seu lindo EP de estreia.

Em uma singela e exclusiva conversa com o DiscoPops, Michael, artisticamente conhecido como Owensie, nos falou sobre suas perambuladas no mundo da música, algumas mudanças em sua vida e também sobre seu grande amor pela música brasileira, citando Caetano Veloso, Gilberto Gil, Geraldo Vandré e vários outros nomes de peso da música nacional como suas maiores influências. Não deixe essa nova estrela passar despercebida. Ela merece brilhar. E muito.



















DP: Antes de começar sua carreira solo, que puxa para um folk bem intimista e tocante, você fazia parte de uma banda de punk/post-rock chamada Puget Sound que até fez turnês pelo Brasil. Essa mudança drástica na estética sonora de seu trabalho, do punk para o folk, representa alguma coisa? Talvez uma nova fase em sua vida?

MO: Bom, em 2007 eu estava sem casa depois de me separar da minha ex-esposa. Foi um tempo muito difícil, e foi durante este período que eu comprei um violão numa loja de roupas e móveis usados. Também durante este período, por causa do estresse da situação, eu perdi a vontade de escutar música pesada em casa e de ir em shows para ver bandas de punk, hardcore ou rock. Eu estava precisando de alguma coisa mais calma, então acabei curtindo coisas novas como Boards of Canada, Sufjan Stevens e Cornelius. Naquele período eu senti uma certa mundança por dentro de mim, e eu estava com aquele violão alí perto. Daí comecei a tocar, e a ressonância dele, das cordas de nylon, e da madeira prensada no meu peito, me deram um senso de paz. No começo eu tocava pedacinhos de músicas para relaxar, e depois de uns meses a ideia de escrever música naquele contexto subiu.

DP: Quais eram as grandes inspirações musicais da Puget Sound e quais são as grandes inspirações musicais de seu novo trabalho solo? Elas tem algum ideal em comum?

MO: Bom, as grandes inspirações da Puget Sound variam muito, pois a banda existiu por dez anos. No começo, a banda tocava ska-punk, inspirada por bandas como Stricknien DC (Irlanda), P.A.I.N (Inglaterra), e também pelas bandas dos anos 70 como The Damned, Gang of Four, The Specials, UB40 e The Selecter. Depois de uns anos a banda virou mais post-rock e experimental, inspirada por bandas como TOOL, Dysrythmia, Oxes e The Fucking Champs. No caso do meu projeto solo, o folk e a música tradicional da Irlanda são a base do meu projeto, e bandas como Planxty, o guitarrista Preston Reed, e o LP Treaty Stone do Barry Moore (agora chamado Luca Bloom) me influenciaram bastante. Não encontro algum grande ideal em comum entre as inspirações, mas a obscuridade punk e sua perspectiva política e sociológica ainda existem no novo trabalho, no som, e nas letras.

DP: Você é oriundo de Dublin, Irlanda do Sul. O tempo que passou no Brasil influenciou sua música de alguma forma? Existe alguma banda e/ou artista brasileiro que fez grande diferença na sua formação sonora?

MO: Em 2000, o primeiro disco brasileiro que eu encontrei foi do Toquinho do ano de 1970. Uma amiga minha me fez uma cópia do disco e eu gostei muito. Depois, especialmente por dentro da cena punk, eu descobri que essa música era umas das coisas mais "bregas" que um "punk" poderia curtir no Brasil. Mas eu não estava nem aí. Depois disso, encontrei um monte de bandas da cena punk brasileira, a maioria de São Paulo como Restos de Nada, Ratos do Porão e Hino Mortal (Puget Sound tocou com eles em 2001). Tenho uma cópia do LP Ataque Sonoro dos anos 80 com bandas como Cólera, Armagedom (passei a minha primeira noite no Brasil com a família do vocalista), e também como o Lobotomia (meu preferido). Na minha segunda vez no Brasil, em 2003/2004, eu aprendi a falar português melhor e, ao mesmo tempo, comecei a entender melhor as letras das músicas. Assim, comecei a curtir do Raul Seixas e outras bandas e artistas dos anos 70 como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Secos e Molhados, Os Mutantes, e muitos outros.

Nos últimos anos comecei a gostar mais de Bossa Nova e esse ritmo típico do Brasil está certamente começando a influenciar a minha música agora. Tenho um grande medo de ofender o estilo, pois eu não sei muito sobre as vertentes do samba (escrevi uma música chamada "Dark Place" que está no myspace para qualquer pessoa criticar se quiser). Mas a maior influência brasileira na minha musica é, sem duvida, a voz do Geraldo Vandré. O LP Hora de Lutar é uma coisa que eu nunca vou cansar de escutar. A força e emoção na voz dele é a maior influência no meu estilo de cantar.

DP: Você lançou seu primeiro EP gratuitamente e planeja lançar seu primeiro disco completo, mais trabalhado e complexo, em janeiro de 2011 também de graça. Como você enfrenta a questão dos downloads gratuitos e da pirataria/downloads ilegais? É melhor ter muitos fãs e pouca vendagem de discos ou poucos mas fiés fãs que pagam pela sua música?

MO: Vindo da cena punk, eu ainda sinto a ética do DIY (faça você mesmo) em mim, e tenho uma perspectiva anti-capitalista sobre a arte em geral. Eu não tenho como pagar para prensar CD's ou LP's para vender por enquanto. Em vez disso, eu acho melhor divulgar a minha música, nos próximos anos, pela internet. O meu primeiro LP sai em janeiro de 2011 e seu download será grátis. Já estou escrevendo o segundo LP e este eu queria lançar em formato físico e possivelmente cobrar para o download. Pra mim, é melhor ter fãs agora e talvez depois do primeiro LP conquistar mais fãs ainda.

DP: Existe algum outro tipo de influência na sua música que não seja restritamente musical?

MO: Boa pergunta. Pessoalmente, eu gosto muito de conversar com pessoas sobre a influência da vida na música, ou pelo menos o que que está rolando ao mesmo tempo com o/a artista fora do processo musical. Geralmente quando estou enfrentando muitos dificuldades na minha vida (que acontece muito), eu estou escrevendo música ao mesmo tempo. E depois quando as coisas ficam mais calmas, eu não estou escrevendo tanto. Eu ando assim.

DP: O que é melhor: ver os fãs pirando loucamente em um show de punk rock ou ver o silêncio e atenção reinarem numa apresentação aconchegante de folk?

MO: Os dois são iguais. Num show de punk rock, a banda espera a ver os fãs pirando loucamente, como o artista folk espera o silêncio e atenção dos fãs no show dele. O pior é o silêncio no show de punk rock e o barulho e caos no show de folk, duas situaçoĕs que, infelizmente, eu já conheço muito bem!

DP: Se você fosse definir a sua vida em três bandas/artistas, quais seriam?

MO: Por enquanto, Thin LizzyRory GallagherGeraldo Vandré, mas isso sempre vai mudar um pouco.

DP: Recentemente boas bandas têm saído da Irlanda para ganhar o mundo. Como anda a cena musical por aí? Alguma dica?

MO: A cena musical aqui é enorme. Aqui em Dublin, a minha cidade, tem um monte de shows toda semana. Um bom lugar para começar a conhecer as bandas é com o Richter Collective, um selo independente daqui. A qualidade das bandas é muito forte, como Adebisi Shank, The Redneck Manifesto, Hands Up Who Wants to Die, Bats e LogikParty.

DP: Suas músicas abordam temas variados. Na capa do seu EP, por exemplo, temos a imagem de uma Santa. A religião tem algum percentual de influência sobre seu trabalho? Você é adepto de alguma religião? Se não, o que representa a imagem na capa do EP?

MO: A imagem na capa do CD é uma foto tirada em Ronda, uma pequena cidade antiga na Espanha, situada em cima de uma montanha, e o lugar que inspirou uma das músicas no EP. Sendo irlandês, eu fui batizado católico como quase todos aqui. Não sou mais adepto à religião, mas "The Search", música do EP, é sobre a crise do agnóstico nos tempos mais difíceis da vida, quando se realmente fica com a vontade de rezar e pedir ajuda de uma força maior, mas ao mesmo tempo não querendo acreditar num "Deus".

DP: No seu próximo lançamento, você pretende seguir a mesma linha folk do seu primeiro EP ou pretende mesclar outras vertentes musicais? Algum ritmo típico do Brasil talvez?

MO: O próximo lançamento em janeiro terá mais intrumentos. As músicas do EP irão aparecer no futuro LP, e algumas delas virão um pouco mais complexas. Por enquanto eu vou seguir essa linha de folk, mas também estou tentando pegar o jeito de alguns ritmos do Brasil. Mas como eu expliquei em cima, tenho um grande medo de ofender a música brasileira, de fazer alguma coisa parecida, mas podre ou diluído ao mesmo.

DP: Quando seu primeiro disco for lançado, podemos esperar shows no Brasil? Existe algum estado ou lugar aqui em especial no qual você gostaria de tocar?

MO: Eu realmente gostaria de voltar a tocar no Brasil de novo. Queria voltar para São Paulo e Goiânia de novo, as duas cidades onde eu morei há muitos anos atrás. Como o Brasil é tão grande, uma turnê só não vai ser suficiente para eu conseguir a tocar em todos os lugares que eu queria. Mas vou matar a saudade logo, de qualquer jeito!



Entrevista realizada por Lucas Lima
editor-chefe do DiscoPops

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