sábado, 2 de julho de 2011

É Tudo Uma Questão de Tempo

O Black Lips sempre foi uma banda com algo a mais para oferecer. Sempre foi uma banda dentro de seus próprios termos e concepções, fato que remete aos shows frenéticos e apocalípticos, com performances excepcionais das quais você pode esperar por vômitos, integrantes nus, muita urina e, é claro, muito flower-punk, como o próprio grupo de Atlanta se denomina. Atualmente, presenciar um momento como esse é quase impossível - como eles próprios comentaram, o Black Lips já foi chutado de muitas apresentações por isso, inclusive a base de socos. Mas isso é previsível, uma vez que o grupo cita GG Allin como grande inspiração.

Gradativamente, a estética sonora da banda tem mudado, caminhando em direção a um som mais acessível e fluente. Isso não significa rendição, isso não significa dinheiro. Junto aos falecidos shows excruciantes da banda, outro ponto que não pode deixar de seu mensurado é a presença mais do que íntima do grupo com seus instrumentos e o microfone. Extrovertidos como ninguém, o Black Lips consegue migrar um pouco de suas habilidades sonoras para outro patamar a cada álbum sem desnivelar sua graça e diversão proporcionadas, agora mais poderosas do que nunca.

Arabia Mountain é um disco que assustou muita gente num primeiro momento. O baque em questão é o investimento quase que perfeito em cima de uma produção característica dos anos 60 e 70, que capta com alegria toda a atmosfera das guitarras, do baixo e da bateria tão marcantes na época. Até aqui, nada de novo que possa eventualmente chamar a sua atenção, caro leitor, foi escrito. Afinal, mesmo sendo o Black Lips, já temos um acervo infindável de grupos que estão presentes em corpo nos anos 00 porém em mente estão a décadas atrás de distância. O que inegavelmente faz Arabia Moutain ter um brilho a mais, mesmo com sua excentricidade e diversão apuradas, é a presença de Mark Ronson por trás da produção do álbum.

Como se fosse um quinto integrante, Mark surpreende com seus dotes e, ao mesmo tempo em que direciona a estética do disco para um "pop" mais evidente (o que era óbvio, já que assim fez com Lily Allen e Amy Winehouse), resgata a alma dos tempos do verdadeiro rock'n'roll e cria uma aura única em torno da obra, com uma produção impecável que transporta o ouvinte para os anos 60 sem que ele perceba que na verdade Arabia Moutain é de fato um disco lançado em 2011. O único fator que provaria o contrário é a feliz presença do garage rock/punk tão característico do Black Lips, aqui trabalhado de uma forma diferente na qual se encaixa com perfeição aos novos rumos tomados pelo coletivo americano.

Em "Family Tree", logo de cara uma das grandes faixas do álbum, a banda não denuncia de uma vez o que está por vir. Num ritmo mais agitado do garage punk, a música abre alas para a sequência impecável do quarteto "Modern Art" e seu andar hipnótico; "Spidey's Curse", que diminui a frequência numa quase balada ao moldes do Black Lips; "Mad Dog", seu sax marcante e finalmente o salto ao passado com todo o conjunto trabalhando com perfeição; e "Mr. Driver", que puxa para uma face mais viajada e psicodélica com sua guitarra.

Uma história interessante a ser contada é a de "Raw Meat". Levando as consequências ao pé da letra, antes de gravar a faixa, o Black Lips saiu junto a Mark Ronson em direção a um sashimi com pedaços de fígado cru. Resultado? O quase óbito de Mark. Depois de "muitos calafrios incontroláveis e de ter o cérebro semi-cozinhado em virtude da febre alta", Ronson parece ter, apesar do susto, aprendido a lição a qual se tornou uma das melhores músicas de Arabia Mountain, apesar de curta. Outras faixas como "Time", que chega a lembrar um pouco dos Beatles, e "New Direction", que encanta com o refrão "I want to laugh and I want to cry/I want to spit but my mouth is dry", fecham com "Noc-A-Homa" os highlights da obra.

Se existia alguma coisa a ser provada em Arabia Moutain, com certeza era a versatilidade do Black Lips. Como um anfíbio, a banda se adapta com facilidade aos terrenos mais primordiais do rock e mantém sua estética meio lo-fi, garage e psicodélica em alta. Da recente safra de álbuns lançados pelo coletivo, Arabia Mountain é sem dúvidas o mais marcante de todos. E se Mark Ronson tivesse morrido após comer o tal do fígado cru, com toda certeza seria lembrado por ser o grande maestro de uma obra de impacto tão positivo como essa.



2 comentários:

Anônimo disse...

muito legal o blog... bem feito
daria a mesma nota para esse album

Camarada R disse...

Concordo com sua avaliação do disco e fico pensando como soará o próximo álbum do Black Lips depois desse estágio em que os caras chegaram em Arabia Mountain.

"é tudo uma questão de tempo"...

http://lixojovem.blogspot.com/

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